sexta-feira, abril 10, 2009

Para reflectir: DEZ ANOS POR UM JORNALISMO SUSTENTÁVEL

Por Sandra Monteiro

Publicado em Le Monde Diplomatique

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Não se pense, contudo, que está criado um «império» mundial de imprensa: a maior parte das edições vive desde sempre com muitas dificuldades, travando uma «guerra assimétrica» contra os gigantes da comunicação (a própria edição portuguesa foi interrompida durante um curto período). De certa forma, essa fragilidade decorre de uma escolha que passa por fazer um jornal diferente, com análises mais longas e aprofundadas; com um investimento forte e dispendioso na reportagem internacional; com a manutenção de estruturas editoriais responsáveis, dedicadas e independentes, que concentram o poder de decisão nos jornalistas e demais trabalhadores; com a recusa de transformar os leitores em clientes; e com a manutenção escrupulosa da regra que diz que as receitas publicitárias não podem ultrapassar 5 por cento do volume de negócios de cada edição

A diminuição do poder de compra causada pela crise reduz a disponibilidade para a compra de jornais, mas não diminui os custos reais de produzir informação. O comentário e a reprodução, em particular na Internet, de informação já existente, pode ser feito praticamente a custo zero, mas dedicar tempo e meios a investigações e reportagens aprofundadas exige necessariamente recursos financeiros, equipas estruturadas e uma concepção dos projectos no longo prazo. Exige um jornalismo sustentável.

O desafio que hoje se coloca consiste em aprofundar cada vez mais o conhecimento do mundo em que vivemos para potenciar a consciência das mudanças que é necessário concretizar. Porque a ausência de responsabilização e de consequências palpáveis, que as pessoas possam sentir nas suas vidas, é dos maiores desmotivadores sociais que possamos imaginar, sobretudo quando já existe uma compreensão do que seria necessário mudar. É algo que afecta a confiança e corrói a coesão social de forma duradoura. Basta pensar na reacção que em cada um de nós suscitam a pantanosa inoperância dos sistemas judiciais ou a manutenção dos paraísos fiscais, que permanecem incólumes, mesmo numa crise como esta.

Podemos apoiar os espaços de informação e debate de ideias que nos proporcionam conhecimento e tempo para desacelerar desse stress informativo que tão pouco tempo deixa ao desenvolvimento da nossa inteligência emocional, à nossa criatividade como cidadãos do planeta, à multiplicidade de linguagens (da informação, da arte…) com que nos construímos. Como afirma o escritor moçambicano Mia Couto, «ao lado de uma língua que nos faça ser mundo, deve coexistir outra que nos faça sair do mundo» [7]. Por aqui, tanto nestas páginas como nos múltiplos espaços de encontro e de debate que a edição portuguesa do Le Monde diplomatique procura criar, vamos continuar a ser mundo, a criar raízes, para que as asas possam voar.
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